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EVOLUÇÃO NO ESPORTE: um mercado que busca a mesma igualdade das pistas

Dentro das pistas, nosso esporte é reconhecido mundialmente pela igualdade de gênero. Sendo o esforço físico maior concentrado no cavalo, homens e mulheres disputam na parte técnica e estratégica em equidade. Fora das pistas, no entanto, a realidade é diferente.


Vivemos em uma sociedade historicamente desigual, em que as mulheres têm menos espaço no mercado de trabalho e menos ainda em cargos de liderança. Pensando no esporte, entre as categorias de base no hipismo, as mulheres representam mais de 50% das inscrições em Campeonatos de Salto Nacionais. Quando passamos para o alto rendimento e o esporte a nível profissional, as mulheres são menos de 15%.


Nos últimos anos, no entanto, é notável a evolução do esporte em diversos aspectos, entre eles a abertura do mercado para mais mulheres. Nós, da 2clac, temos uma equipe 80% feminina e observamos um número cada vez maior de mulheres em cargos de relevância para o desenvolvimento do esporte.


Para entender um pouco mais sobre o espaço das mulheres no esporte atualmente, conversamos com algumas delas que ocupam posições diversas. Da pista até a cocheira, ouvimos um pouco da visão de cada uma sobre suas próprias trajetórias e o que é ser mulher nesse caminho.


BIANCA MATARAZZO,

amazona amadora e Representante de Atleta na CBH


Ligada aos cavalos desde muito nova pela família, Bianca começou a montar com 8 anos de idade, na Hípica Paulista, com o saudoso Alfinete (José Roberto Reynoso Fernandez). Atualmente, a amazona compete entre os melhores amadores do país, com participação em provas a 1.40m. Entre os tantos aprendizados que o esporte trouxe ao longo de sua carreira, ela ressalta a importância da sensibilidade para ler o cavalo e respeitá-lo.



"Não me vejo diferente em nenhum momento na competição por ser mulher, inclusive não presto muita atenção nisso. Nunca sei exatamente quem são os meus concorrentes, fico muito focada em fazer o meu melhor e ponto. Não tenho desafios específicos traçados no esporte, vou tentando dar o meu melhor e colher os frutos do esforço, sejam eles quais forem.", afirma Bianca.


Nos últimos anos, além de amazona, Bianca exerceu papéis importantes na política ligada ao hipismo. Do conselho do clube que frequenta até representante dos atletas na Confederação Brasileira de Hipismo (CBH), a amazona participou de forma ativa de debates relevantes para o futuro do esporte no Brasil. "Sou apaixonada pelo esporte e ele já me deu tanto na vida que é minha obrigação ajudar no que puder. Estou sempre à disposição se o assunto for o esporte e principalmente se for o bem estar dos cavalos. Inadmissível não darmos o melhor tratamento possível ao cavalo, que dá tudo de si, incondicionalmente, para que pratiquemos o esporte que nós escolhemos, não ele.", ressalta.


Segundo ela, cada vez mais mulheres ocupam lugares de liderança e estão nos podiums. Embora não tenha sentido na pele, enxerga o mundo hípico ainda muito machista e preconceituoso. Ainda assim, para a amazona, há uma mudança nítida se impondo: "As pessoas que não estão acompanhando o movimento de igualdade entre gêneros estão ficando para trás."


Além do esporte, Bianca é mãe e afirma que: "Meu maior desafio com certeza é criar meus 3 filhos homens valorizando e respeitando as mulheres. E acho que estou indo bem na minha missão".


"Não fui criada acreditando que mulheres têm menos a dar ao esporte do que homens. Pelo contrário, sempre acreditei que mulheres são muito potentes. E é assim que me vejo e enxergo outras mulheres. Acho todas elas muito poderosas em todos os sentidos. Em cima de um cavalo ou no chão".


MARCELA MOREIRA,

proprietária do Haras da Cabana


Amazona desde os 8 anos de idade e criadora há 20 anos, Marcela preza por uma criação humanizada, que prioriza o cavalo, a natureza e todas as pessoas envolvidas nesse processo. "O que a gente prioriza na criação é o amor aos animais. Em primeiro lugar é o cavalo, os cuidados com ele e com a natureza que o envolve. Somos preocupados com isso e com as pessoas, com nossa equipe e clientes."


À frente da administração do Cabana há 13 anos, ela conta que já sentiu resistência à sua liderança feminina e jovem. "Já senti uma grande melhora, mas ainda tem algumas pessoas que não têm facilidade em lidar com uma mulher no comando."


Além da criação no Brasil, Marcela também acompanha de perto o esporte de alto rendimento na Europa e comenta sobre o papel das tratadoras nos dois continentes. "Diferente da Europa, no Brasil a gente ainda está engatinhando sobre mulheres no dia a dia cuidando dos cavalos, mas já temos algumas e está crescendo. Eu acho isso maravilhoso, porque agrega muito a sensibilidade. O olhar de uma mulher para um cavalo, é diferente. É mais sensível, é mais conectado, eu acho mais especial."


Para ela, o mercado equestre tem avançado com cada vez mais mulheres em posição de liderança, tanto como amazonas como na gestão administrativa dos haras na criação.


PRISCILA AZEVEDO,

veterinária


Priscila é chefe de uma das maiores equipes veterinárias ligadas ao salto no Brasil e atua no meio há mais de 30 anos. "Desde que me lembro por gente, dizia que seria veterinária de cavalo". Para ela, ser mulher nessa profissão é um diferencial e não um desafio extra.


"As mulheres já são maioria nas faculdades de veterinária, isso está bem próximo de ocorrer no campo do esporte também. Na minha equipe, somente o radiologista é homem, todas as clínicas são mulheres", afirma.


TATIANA GUTIERREZ,

secretária geral da CBH


Inserida no universo do cavalo desde os 5 anos de idade, Tatiana tinha 12 quando ocupou o cargo de comissária pela primeira vez. Desde então, trilhou um caminho de profissionalização no esporte, no qual dedicou grande parte da vida ao desenvolvimento de sua carreira como oficial. "O maior desafio é equilibrar esporte e gestão", diz a atual secretária geral da Confederação Brasileira de Hipismo.


Para ela, as mulheres ainda passam por situações em que precisam "provar seu valor" de forma dobrada em relação aos homens, mas não atribui isso apenas ao mundo hípico e sim a algo latente no cotidiano como um todo. "Somos privilegiadas em ter um esporte que desde as raízes é igualitário, mas os números mostram que a pirâmide de atletas femininas é invertida da masculina, nas categorias de base o número de Amazonas é maior e ele vai diminuindo até chegar a um número bem pequeno nos Grandes Prêmios."


Ela ainda enfatiza mudanças no esporte, com um número crescente de mulheres no mercado: "Acho que tudo vem mudando e estamos nessa onda como esporte. Temos um número crescente de tratadoras mulheres, temos várias federações sendo presididas por mulheres, nossa vice-presidente é uma mulher. A cada dia isso está ficando mais equilibrado", afirma.


GABRIELA PLACCO,

amazona e horsewoman


Autora da metodologia de treinamento horselosophy, definida pela própria amazona como "a busca por desenvolver o potencial atlético dos cavalos, respeitando as individualidades e minimizando o estresse do processo através da melhor interação, comunicação e conexão.", Gabriela monta desde os 7 anos de idade e é profissional desde os 16.


Já no auge de sua carreira como amazona, em 2016, teve contato pela primeira vez com o Horsemanship praticado na Califórnia. "A partir desse momento, minha forma de enxergar os cavalos, e tudo o que acontecia em torno deles, se transformou. Tudo se tornou mais claro e fácil de realizar. Entender como o cavalo pensa, como aprende, e o porquê ele faz o que faz, além de técnicas específicas, tornou meu trabalho mais completo", conta Gabriela.


Esteve na Europa durante 2 anos e ressalta as diferenças em relação ao Brasil no quesito igualdade de gênero. "Vivemos em um país machista. As profissionais mulheres, no meio hípico, sofrem as consequências disso tanto quanto em qualquer outro lugar. Infelizmente. Na Europa, vi uma quantidade muito maior de tratadoras, ferradoras, domadoras e amazonas profissionais."


Em 2019, quando retornou para o Brasil, buscou sistematizar, aplicar e disponibilizar o conhecimento de horsemanship aliado a experiência que tem com equitação clássica, western e salto. "Vejo um mercado em ascensão e mais mulheres atuando nas mais diversas áreas. Acredito que as mulheres, no geral, são mais sensíveis, cuidadosas, detalhistas e amorosas. Nossa relação com os animais é de mais respeito e cooperatividade."


ELAINE ZANDER,

juíza internacional


"Nunca tive a ideia de me profissionalizar no esporte, foi uma feliz coincidência. Sempre fui curiosa e estudiosa e foi a voz que me trouxe a oportunidade de seguir na carreira." Elaine começou a estudar regulamentos na época em que as filhas montavam na Sociedade Hípica de Campinas, já foi membro do júri da FEI nas Olimpíadas Rio 2016 e atua na área há cerca de 30 anos.


Sobre os desafios da carreira, a juíza afirma que o maior deles é tentar manter a paridade no julgamento. "Isso é a dificuldade de qualquer oficial de concurso. O julgamento equânime para todos, independente de quem seja, é fundamental para a qualidade do bom trabalho de um juiz de esporte.", enfatiza.


Para ela, a diferença na quantidade de mulheres competindo na base do esporte e no alto nível é simples. "A vida cobra de maneira diferente da mulher esportista do que do homem esportista", explica, "As meninas casam, arrumam outros interesses, se tornam donas de casa. O homem pode ficar, até porque ele tem uma estrutura familiar, infelizmente, que ainda o mantém seguro."


Não apenas no esporte, mas em qualquer área, nas palavras de Elaine: "Matar um leão por dia para as mulheres é corriqueiro. Somos muito cobradas e isso por um lado é muito bom, porque nos capacita cada vez mais." Na visão dela, o momento é propício para que as mulheres se destaquem, a sociedade cobra por presença feminina em todas as áreas e não poderia ser diferente no esporte.


MARINA AZEVEDO,

desenhadora de percurso


"Eu não escolhi me tornar uma profissional do meio do cavalo, essas coisas aconteceram muito naturalmente". Marina, antes de desenhadora, foi amazona e competiu desde as categorias de base até o alto nível, no Brasil e na Europa. Além de montar, também foi instrutora e teve alunos competindo entre Juniors e Young Riders.


"Na época, o Brasil trazia muitos armadores internacionais e eu comecei a acompanhá-los para conhecer, para entender as perguntas e para manter o alto nível da equitação.", com o tempo e a proximidade de armadores como Guilherme Jorge, desenhador brasileiro credenciado com nível 4 da FEI e responsável pela armação das provas de salto nas Olimpíadas do Rio 2016, Marina foi tomando gosto pela profissão. "Nunca foi um sonho, mas se tornou muito desafiador e eu gosto muito das coisas que me desafiam", afirma sobre a carreira de desenhadora.


Na visão dela, o meio equestre ainda é um mundo muito mais para homens do que para mulheres. "Não sinto que eu precisei provar mais minha competência por ser mulher". Segundo Marina, o desafio maior está na convivência com um meio majoritariamente masculino, onde sempre está no meio de muitos homens e poucas ou nenhuma mulher. A armadora ainda aponta para a ascensão feminina nesse mercado e a colaboração mútua entre mulheres, na indicação e na formação de grupo, para fortalecer esse crescimento.


"Hoje conheço pelo menos 10 mulheres ao redor do mundo que estão armando e são muito competentes, mas grande parte delas ainda estão como assistente de um desenhador homem, não têm a própria vida." Para ela, as mulheres têm mais sensibilidade no relacionamento com os staffs da pista e com os cavaleiros, o que tem gerado um crescimento do mercado feminino em relação à armação.


Marina Azevedo será a primeira mulher a desenhar um Pan-Americano. Sua participação já está confirmada no Chile este ano.


PAULA ALHO JUNQUEIRA,

amazona e comerciante


Foi através da mãe, apaixonada por cavalos, que Paula chegou no esporte, já aos 4 anos. Desde então, não parou mais de montar e se formou em veterinária, na cidade de Londrina. Quando casou, deixou a hípica da família e veio para São Paulo, onde começou a trabalhar como comerciante no Quality Horses, de Yuri Mansur. "E foi aí que eu comecei a tomar gosto por essa área do comércio. Me afastei um pouco da parte de instrutora e fiquei só como comerciante, principalmente na parte administrativa", conta.


"Quando dei aula, até 2014, eu gostava muito disso, mas eu sentia que ainda faltava alguma coisa. Hoje eu vejo que sou uma pessoa bem completa com essa parte de comércio. Gosto de ver os cavalos que vendemos dando alegria para os outros, é uma coisa que me faz muito bem", explica Paula sobre a transição na carreira.


Como comerciante, seu principal objetivo é a transparência. "A nossa parte, na minha opinião, é falar exatamente, sem omitir nada, como é o cavalo e como está sendo feito o negócio.". Paula conta que já sentiu resistência das pessoas em relação a sua profissão, muitas vezes estereotipada como desonesta no meio hípico. "Estamos ali para desmistificar essa visão de que o comerciante é o picareta", ela explica.


"Eu entrei pra esse ramo, seja como hobbie ou profissão, por amor aos cavalos. O que vem disso é lucro pra mim. Quando a gente faz o que ama, pensando no principal do hipismo que é o cavalo, não tem como dar errado", afirma.


Na visão dela, o esporte de alto nível ainda é pouco ocupado por mulheres em relação às categorias de base por conta de outras prioridades. "A maioria das mulheres que hoje praticam o esporte em alto nível não têm filho, porque essa questão da maternidade afasta mesmo as mulheres do esporte", diz a amazona.


"Por ser mulher, existem muitos desafios extras. Alguns já inerentes ao nosso sexo e outros culturais, infelizmente.", explica Paula. "Você pode ter muito conhecimento naquele assunto, mas simplesmente pelo fato de ser mulher, não te dão tanto ouvidos." Na experiência dela, isso já melhorou e não se compara a geração de mulheres anteriores, mas ainda existe. Ela ainda ressalta o quanto os homens são historicamente mais unidos e a importância de uma união feminina maior.


"Se os homens não se cuidarem muito, as mulheres podem sim dominar o mundo viu?", brinca.


BIA NICOTERO,

proprietária do Haras Feroleto


Com uma história de tradição e sucesso, o Haras Feroleto é um dos criatórios mais conhecidos do Brasil. Desde o primeiro cavalo BH a participar das Olímpiadas de Salto, em 2016, com Land Peter do Feroleto, até outras participações olímpicas em CCE e diversos resultados em GPs nacionais, o Feroleto é reconhecido pela qualidade de sua criação.


À frente do haras, Bia preza pela ética na criação. Desde o respeito pelo espaço destinado ao desenvolvimento dos potros até a preparação de cavalos para leilões, a criadora busca um caminho de pouca interferência no que deve ser natural de cada cavalo. Para além da alta performance, para ela "o sonho é ver cavalos fazendo parceria bacanas com as pessoas, se tornando verdadeiros parceiros no esporte, essa é a grande emoção em qualquer nível do esporte."


"Como mulher nesse caminho, e em todos os outros, estamos buscando encontrar nosso lugar." Na perspectiva dela, o mercado equestre está em uma evolução positiva para as mulheres. "Por ser mulher, sempre existem desafios, assim é formada nossa sociedade hoje, mas eu vejo uma grande evolução e acho que para as próximas gerações será muito mais fácil." Através do apoio mútuo entre mulheres, ela acredita que o meio chegará ao ponto de igualdade que se pretende chegar.


MARIANA CASSETARI,

amazona profissional


A memória mais antiga com os cavalos é com 4 anos, no sítio do pai. Aos 18, Mariana já dava aulas. "Aos 22 anos segui para o que parecia ser o ideal, só montar e saltar concurso. Somente aos 24 anos, ficou claro para mim o quanto dar aulas me fazia bem. Eu ainda queria chegar no GP e formar cavalos, mas queria, além disso, trabalhar com a formação de pessoas do cavalo." Desde então, a amazona se dedica diariamente a esse projeto. "Descobri vocação, missão e propósito. Tudo na minha rotina me realiza", afirma.


A amazona acredita que o maior desafio de trabalhar com o meio hípico é a entrega. "Cavalos são para quem gosta, não conheço uma classe profissional mais trabalhadora do que aquelas que envolvem o cavalo. Trabalhamos muito. Esse é o desafio: amor e entrega." Na visão dela, é um mercado com espaço para homens e mulheres. Ressalta a abordagem diferente que cada um costuma ter e a importância disso no crescimento do esporte. "Mulheres tendem a ter uma abordagem mais benevolente, os homens por vezes mais obstinada.Há importância e procura por ambos", completa.


Na visão dela, temos menos mulheres nas categorias de alto rendimento do que nas categorias de base por uma questão ligada ao tipo de cavalo que chega nas provas maiores. "Entre os que chegam, a maioria são exigentes com o cavaleiro, fisicamente, e com frequência são montados por homens. Para formar um conjunto de GP com uma amazona o filtro se estreita, são para cavaleiras com equitação firme e liderança para acompanhar um cavalo poderoso, ou para aquelas que encontram um cavalo potente, sensível e suave que prefere fundamentos da equitação mais finos."


GIOVANNA SOBANIA,

amazona profissional


Formada em Medicina Veterinária, Giovanna já tinha uma carreira como amazona quando decidiu se profissionalizar no meio. Na época, teve bons resultados com cavalos de sua propriedade e recebeu ofertas para começar a montar e dar aulas, foi quando decidiu focar no esporte como carreira. "O maior desafio para mim é que estamos lidando com um ser vivo, o desafio é conseguir entender o que eles estão sentindo", afirma.


Para a amazona, o mercado está aberto em igualdade para homens e mulheres, com respeito e espaço para todos. "Não vejo diferença no nível de competitividade entre homens e mulheres, porém, muitas optam por outras prioridades na vida e não conseguem seguir carreira em alto nível." Atualmente, Giovanna Sobania está entre as amazonas mais premiadas do Brasil, com diversas vitórias em GPs e Copa Ouro, bastante conhecida por sua velocidade nos desempates.









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